Seu Joaquim está aborrecido. As histórias que se atribuem a ele alimentam há anos a imaginação popular. Respostas abrutalhadas para perguntas descabidas fizeram deste homem simples um verdadeiro mito no anedotário nordestino. O cidadão real, porém, nega a lenda inventada. Despindo a capa de "ignorante" e zangado, quer ser visto apenas como bom vizinho e poeta inspirado.
Sentado em uma velha cadeira de rodinhas para escritório, o senhor de barba tosada, óculos escuro e chapéu de massa observa tranquilamente a rua. Ao redor, uma variedade impressionante de objetos novos e usados estão expostos ao sol e ao gosto do freguês. Atrás dele uma loja se estende apanhada de bugigangas, algumas tão velhas que levantam dúvidas sobre seu uso e utilidade.
Porém, para quem passa pela Rua Santa Luzia, centro comercial da cidade de Juazeiro do Norte, o senhor de ar monótono e impávido é um ícone quase tão famoso quanto o Padre Cícero, com o adicional óbvio: está vivinho da silva. De nome ninguém o conhece. Há muito que passou ao estágio de ser descorporificado, habitante fantástico de histórias que percorrem todo o Nordeste e além.
Há até quem diga que ele simplesmente não exite. E os que sabem de sua existência preferem desconsiderar sua vida real. Joaquim Santos Rodrigues, ou para ser mais claro seu Lunga, segue vivendo assim uma vida dupla: a de ser homem e lenda ao mesmo tempo.
O HOMEM
O homem nasceu em 1927, em Caririaçu, cidade fronteiriça a Juazeiro. Seus pais eram alagoanos, viviam da agricultura e assim criaram todos os oito filhos. A chegada de Joaquim em Juazeiro se deu em 1947, quando ele tinha 20 anos e a ourivesaria reinava soberana na terra do Padre Cícero. O recém-chegado passou a fabricar joias, para logo negociar cereais no mercado público da cidade.
Casado desde 1951, em 60 anos de casamento Joaquim estendeu a família em 13 filhos e 12 netos. A loja de ferragens, que existe até hoje, foi montada em 1960. Dessa época para cá ele abre suas portas às oito da manhã, fecha ao meio-dia, reabre às duas da tarde e fecha novamente as dezoito horas. Todo dia, religiosamente
O MITO
A data exata em que nasceu a lenda é difícil precisar. O certo é que o cordelista Abraão Bezerra Batista foi pioneiro ao publicar, 1983, um folheto de cordel intitulado "As Histórias de Seu Lunga, o Homem mais Zangado do Mundo". A partir daí surgiram outros 78 títulos de cordel, de 39 cordelistas diferentes, que podem ser encontrados em feiras, bancas e livrarias em todo Nordeste.
De seu Lunga, o mito pouco se sabe. Nascido em Juazeiro do Norte, ele é tido como o homem mais mal humorado do mundo. Sua fama se deve precisamente às respostas grosseiras que dirige a quem fizer uma pergunta "besta". Impaciente, ignorante, brabo, cabra da peste: são adjetivos costumeiramente associados ao personagem fictício. As histórias são passadas oralmente, geração após geração, fazendo de seu Lunga um ser sem idade exata definida. A rabugice, logo associada à velhice, tornou-o idoso pela vida inteira.
A VINGANÇA
O homem cansado da lenda, resolveu então se vingar. Moveu uma ação contra o cordelista Abraão Batista, alegando que este se utiliza de seu nome indevidamente, o que se consolidaria uma imagem negativa. Joaquim Santos Rodrigues teve ganho de causa e Abraão Batista não poderá mais usar o nome de "Seu Lunga" em seus escritos.
"Na minha opinião, no meu pensamento, na minha lógica, isso só acontece por falta de justiça. São 157 histórias sobre a minha pessoa e nenhuma é verdade. Esse cabra que escreveu isso nunca me deu um bom-dia. Dizer o que você não é, é ruim. Me diga uma coisa, como é que o camarada vai escrever sobre esse personagem que você pensa da minha pessoa e não pesquisa pra saber se isso é verdade? Eu sou comerciante desde 1960 e tenho um só preço", esbraveja seu Joaquim.
A mágoa é contra o que o mito esconde "esse camarada Abraão botou no folheto que eu sou o homem mais ignorante do mundo, aí tem gente que chega aqui pensando que eu sou um homem ignorante e vem com pergunta imbecil, vem com proposta desagradável. Mas olhe, eu sei ler, sei escrever, sei as operações de conta, e além disso eu crio discursos, eu faço discurso público e tenho várias poesias de minha autoria. Eu sei dialogar e nunca recebi uma reclamação, eu sei onde eu me meto". Afirma.
O OCULTO
O que o povo desconhece é que Joaquim Santos Rodrigues, quando assim deseja e a verve está afiada, é um poeta atilado, de criações espontâneas e firmes. Dedo em riste, sorriso nos lábios, declama em alto e bom som
"Quem não mora muito longe
Morando perto é vizinho
Encostado a essa mata
Mata que tem espinho
Cada um tem seu galho
Cada galho tem um ninho
Não vou morar nessa mata
Por causa dos passarinhos".
É muito de repente. o "homem mais ignorante do mundo", o senhor de respostas ferinas, nordestino brabo transformado em piada nacional, se converte em um cidadão tranquilo e vaidoso. "Como essa eu tenho umas outras tantas!". E seu Joaquim se revela uma anfitriã0 conversador, prático e honesto, embora intransigente, como os diversos Joaquins que existem em todo o sertão nordestino.
"Quem me conhece não me interessa. Mas quem me conhece me preza", afirma ele, categórico. E de sorriso no rosto, aperto forte na mão direita, se despede em verso com a gentileza típica do sertanejo:
"Adeus amante querido
Meu amor sempre livrado
Aceite lembranças minhas
E recordações do passado".
Raquel Paris
Na revista "Cariri Revista" página 55
Meu Deus! como eu fico feliz pelo pronuciamento do seu Joaquim. Tenho um carinho todo especial pelo seu Lunga, pois sou muitas vezes na intimidade familiar, comparadade ao seu lunga; por tambem não tolerar perguntas imbecís. Seu lunga, teria que receber direitos autorais, pelas muitas estorias que escrevem a seu respeito. Abraço. Fatima Bezerra.
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